Que tal lermos um conto?
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O tesouro de papai
Já fazia um ano que aquela garagem
não era tocada. Ninguém se quer entrava lá depois da morte do papai e tudo
estava como ele tinha deixado. Porém, já era época de nós limparmos aquela
bagunça. Mamãe, a que talvez tenha mais sofrido do ano passado para cá, já tinha
vendido o carro e estava organizando uma faxina para aquele sábado. Eu e minhas
duas irmãs mais velhas, Maria e Rose, iríamos ajudar ela a arrumar tudo e
colocar no lixo algumas coisas que não iríamos usar mais.
Quando fui tomar café, as três
mulheres já estavam na cozinha. Logo notei que havia algo estranho: ninguém
falava nada. Isso não era normal e eu sabia o porquê: iria ser difícil nos
desfazermos das coisas do papai.
Mamãe mandou nós tomarmos nosso café
rápido, pois levaríamos o dia inteiro para fazer a faxina. A chata da Rose saiu
da mesa reclamando, como sempre, que não queria estar no meio da poeira, o que
era mais uma forma de fugir da realidade.
Eu lembro que adorava ficar com o
papai naquela garagem. Era tão bom ir lá todos os fins-de-semana, quando ele
estava em casa, brincar com ele. Na garagem sempre tinha o que a gente
precisava. Se eu queria um barbante para amarrar um carrinho ou um lápis para
fazer a lição de casa, era só ir até a garagem do papai. Agora parecia tão
vazia sem ele por perto...
Logo que entrei, já vi os troféus do
papai em cima de uma estante pendurada na parede. Ele participou de várias
competições de tênis, e ele e Maria treinavam de vez em quando. Num canto da
garagem mamãe já tinha achado uma caixa com as raquetes e bolas de tênis do pai
e tinha mandado Maria levar para fora no local onde elas haviam preparado ontem
para as coisas que não iria para o lixo.
Rose, a mais estudiosa da família, se
dirigiu para a escrivaninha onde havia um computador e lá encontrou alguns
rabiscos de plantas de casas que o papai fazia antes de morrer. Neste momento
mamãe pediu minha ajuda para carregar umas latas de tinta e ferramentas para
fora da garagem, enquanto ela e Maria carregavam umas caixas com lixos para outro
canto do quintal.
Até que ouvi mamãe e Maria
conversarem:
-
Maria, ponha isso lá fora em qualquer parte.
-
Junto com as outras?
-
Não ponha junto com as outras, não. Senão pode vir alguém e querer fazer
qualquer coisa com elas. Ponha no lugar de outro dia.
Logo que vi quais era as caixas que
as duas estavam falando, sai correndo até Maria, peguei de suas mãos a caixa e
fugi para dentro de casa. Não ouvi mamãe me xingando, só o que eu queria é ver o
que havia dentro das caixas que papai nunca deixou eu ver, dizia que era seu
tesouro.
Aquele foi o melhor dia da minha
vida. Imagine você o que é para um garoto de 10 anos como eu encontrar uma
caixa cheia de revistinhas de quadrinhos que são consideradas relíquias. Meu pai
tinha razão, era mesmo um tesouro. Eu só sabia ficar parado olhando para
aqueles gibis de faroeste antigos, até com pó por cima, que
eu sabia que eram de quando meu pai tinha a minha idade.
Rose veio me chamar no quarto naquela
hora, dizendo que a mamãe a mandou. Fui até a garagem e ela perguntou o que
havia acontecido e eu, não querendo revelar o segredo do meu papai, só lhe disse
que havia encontrado o tesouro dele e que eu o queria para mim. Mamãe disse que
tudo bem e eu vi por rabo de olho que Maria e Rose estavam com ciúmes e isso me
fez ficar mais feliz. As revistinhas seriam segredo meu e de papai.
Virei noites lendo as revistinhas
Texas. Parecia que papai estava ali comigo se divertindo com aquelas
historinhas, como eu acho que na sua infância deve ter sido. Como eu queria poder
perguntar para ele.
A minha infância já não era mais
triste com a marca da morte do papai. Era alegre, pois com o “tesouro de
papai”, como eu chamava as revistinhas, me fazia lembrar aqueles dias brincando
ao lado do melhor pai do mundo.
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